sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Membranas Celulares

   

INTRODUÇÃO

     Desde a origem da vida os seres vivos necessitaram interagir com o meio que os cercam. Entretanto, o meio ambiente e suas substâncias não poderiam ser incorporadas integralmente. Por isso moléculas úteis passaram a ser absorvidas e mantidas na quantidade exata, enquanto que as pouco necessárias foram excluídas do ciclo de vida dos organismos durante toda a evolução[1]
      Conseguir manter uma diferencia crucial entre o meio intra e extracelular foi o primeiro passo para o surgimento da vida. A partir dai surgiram as características que hoje os cientistas utilizam para classificar os seres vivos das substâncias que não possuem vida. A saber, as mais importantes são: composição química complexa, compartimentação, metabolismo, crescimento, reprodução, hereditariedade, excitabilidade, adaptação, mutação e (com exceção dos vírus) organização celular[1].
     A membrana plasmática, além de outros envoltórios, é o que permite a seletividade dos constituintes celulares. Presente nos mais diversos tipos de seres vivos, e também revestindo as organelas dos mesmos, ela é capaz de criar compartimentos. Desse modo, reações químicas podem ocorrer em locais isolados[1].
      Muitos modelos foram propostos na tentativa de explicar a morfologia e fisiologia das membranas. Mas, testes experimentais rigorosos mostraram que muito desses modelos eram incompletos, e, portanto, deveriam ser abandonados[2].
     Entretanto, surgiu, depois de tantos estudos, um modelo capaz de responder uma série de requisitos morfológicos essenciais para o funcionamento celular. Esse modelo, que ficou conhecido como modelo do mosaico fluido (fig. 1.1), foi proposto por SINGER & NICOLSON e é aceito até hoje.  Para esses autores a membrana celular é composta por uma matriz lipídica, na qual há proteínas globulares mergulhadas parcialmente ou atravessando completamente a membrana fazendo uma ponte entre o meio intra e extracelular[2].

fig. 1.1
              

A bicamada lipídica

      O sucesso da permeabilidade seletiva se deve, principalmente, à barreira lipídica. Ela impede o movimento da água e de outras moléculas hidrossolúveis de um compartimento para o outro. Dessa forma, consegue barrar a grande maioria de substâncias, permitindo a passagem apenas de pequenas moléculas lipossolúveis[3].
     Os lipídios da membrana são anfipáticos (um lado é polar e o outro é apolar). Assim, em solução aquosa, suas moléculas se arranjam a fim de eliminar o contato desfavorável entre a água e a parte hidrofóbica (que tem aversão à água). Esse aspecto, também encontrado em outro tipo de lipídios, favorece a formação das micelas fig. 1.2A (se a parte hidrofóbica possuir apenas uma cauda) e bicamadas (se aparte hidrofóbica possuir duas caudas)[1] fig. 1.2B.

                                                                                                         Fig.1.2.

        A barreira lipídica tem a estrutura básica de bicamada. Os tipos de lipídios e suas proporções relativas dependem do que a membrana delimita (organela, célula bacteriana, etc.). Essas variações também podem ser adaptativas. Um exemplo são as bactérias que quando cultivadas em baixas temperaturas possuem mais ácidos graxos insaturados na sua constituição, mantendo assim certa fluidez na membrana, assunto do nosso próximo tópico[1].

      Descreveremos agora os três tipos principais de lipídios das membranas biológicas:
1.    Fosfolipídio: É o mais abundante nas membranas biológicas. Nesse tipo está presente uma cabeça polar composta pelo glicerol, um fosfato e um álcool, e duas caudas apolares compostas por cadeias carbônicas de ácidos graxos de cadeias longas fig. 1.3A. Esses ácidos graxos (que geralmente contem entre 16 e 18 carbonos) podem ser saturados ou insaturados. Exemplo de fosfolipídios: lecitina, esfingomielina, fosfatidilcolina, fosfatidiletanolamina, fosfatidilserina.
2.    Glicolipídio: presente em menor quantidade nas membranas. Possui uma parte polar da molécula que é glicídica, voltada para o meio extracelular que irá compor o glicocálice. fig. 1.3B
3.    Esteróide: seu maior representante nas membranas dos eucariontes é o colesterol. Ele é composto por quatro anéis hidrocarbonados fundidos, três com seis carbonos e um com cinco como pode ser visto na fig. 1.3C. Por causa da sua estrutura ele é capaz de tornar a membrana mais rígida e menos permeável.[2]

 fig 1.3.


      Entre as duas faces das membranas biológicas (a face voltada para o interior da célula ou organela e a face voltada para o exterior), geralmente se encontram lipídios diferentes, e isso ja é estabelecido desde a sua produção. Em células eucarióticas, novas moléculas de fosfolipídios são sintetizadas por enzimas localizadas na face externa da membrana do retículo endoplasmático (RE), estas moléculas formarão a face voltada para o exterior (citosol). Entretanto, para que a membrana cresça por igual, um porção dos lipídios recem-sintetizados precisa ser transferida para monocamada oposta (voltada para o interior ou lúmem do RE). A enzima flipase é que faz essa transferência, sendo que, algumas enzimas desse tipo trasferem seletivamente[4].
     Outro aspecto a se notar  é presença das insaturações (duplas ligações) nos ácidos graxos dos lipídios, representado pela quebra de linearidade da calda na fig. 1.2B . Esta insaturação dificulta as interações entre um ácido graxo e desse modo interfere também na fluidez, o que a partir de agora será mais detalhado[4].

Fluidez e assimetria da bicamada.


   Certos processos de transporte através das membranas e atividades enzimáticas são interrompidos quando a viscosidade é aumentada experimentalmente acima de um nível limiar, por isso, a fluidez das membranas celulares tem uma grande importância biológica e tem que ser precisamente regulada[6].
   A fluidez de uma bicamada lipídica depende de dois fatores: da sua composição e da temperatura. Em estudos de bicamadas sintéticas feitas de um único tipo de fosfolipídio, em um ponto de congelamento característico, há uma mudança do estado líquido para o estado cristalino rígido que é dominada de transição de fase, e a temperatura onde esse processo ocorre é menor se as cadeias de hidrocarbonetos forem curtas ou tiverem duplas ligações. Um menor tamanho da cadeia diminui a tendência das caudas de hidrocarbonetos de interagirem entre si, e duplas ligações cis produzem flexões nas cadeias de hidrocarbonetos, o que tornam mais difícil agrupar as cadeias proximamente e, portanto, tornam a bicamada lipídica mais difícil de congelar[6].
    Alguns seres vivos possuem certa capacidade de alterar suas membranas, de modo se adaptar as variações ambientais. Seres que vivem em regiões onde há uma acentuada variação térmica, principalmente organismos ciliados, algas e até mesmo peixes e mamíferos, são capazes de ajustar a composição de ácidos graxos das suas membranas lipídicas para manter uma fluidez relativamente constante. Assim, quando a temperatura diminui, são incorporados ácidos graxos com ponto de fusão baixo e quando a temperatura eleva, ácidos graxos com ponto de fusão alto são introduzidos[6].
    A bicamada lipídica de muitas membranas celulares, além dos fosfolipídios, contém colesterol e glicolipídios. O colesterol aumenta a propriedade de barreira permeável da bicamada lipídica. Insere-se na bicamada com o grupo hidroxila próximo às cabeças polares dos fosfolipídios, de maneira que seus tesos anéis esteróides interajam e parcialmente imobilizem aquelas regiões de hidrocarbonetos próximas aos grupos de cabeças polares, como pode ser visto na fig 1.4. Em altas concentrações, o colesterol também impede que as cadeias de hidrocarbonetos agrupem-se e cristalizem[6].
   
fig 1.4.

     A composição de lipídios das duas monocamadas da bicamada lipídica de muitas membranas são bastante distintas. Essa assimetria é funcionalmente importante, principalmente na conversão de sinais extracelulares em sinais intracelulares. Por exemplo, a enzima proteína-cinase C é ativada em resposta a varios sinais extracelulares. Ela se liga à porção citoplasmática da membrana plasmática onde a fosfatidilserina está concetrada e precisa desse fosfolipídeo negativamente carregado para sua atividade[6].
    Os animais utilizam a assimetria dos fosfolipideos de sua membrana plasmática  para discriminar células vivas e células mortas. Quando uma célula animal sofre apoptose, a fosfadilserina, a qual normalmente se encontra na monocamada citosólica da bicamada lipídica da membrana plásmatica, rapidamente se desloca para a monocamada extracelular. Por conseguinte, a fosfatidilserina exposta na superficie celular sinaliza para as celulas vizinhas, como os macrofagos, para fagocitar e digerir a célula morta[6].
  
    Carboidratos da membrana e o glicocálice.
       


     Vimos no assunto de bicamada lipídica que dentre os lipídios da membrana plasmática estão os glicolipídios. Estes possuem uma parte glicídica voltada para o meio extracelular, ligada covalentimente ao restante da molécula.
     Além disso, existem proteínas ligadas a pequenas cadeias de açucares e outras ligadas a uma ou mais cadeias longas de polissacarídeos. Estas proteínas são chamadas de glicoproteínas e proteoglicanos, repectivamente. Veja a fig 1.5.

fig. 1.5
           
    Todos os carboidratos nos glicollipídios, glicoproteínas e proteoglicanos estão localizados na face não-citosólica voltados para o exterior da membrana de tal modo que formam uma camada física sobre a bicamada lipídica com importantes funções, como proteger a superfície celular de danos mecânicos e químicos. Como os açucares dessa camada absorvem água, eles conferem à célula uma lubrificação superficial que a ajuda a deslizar ao passar em lugar apertado, se estivermos falando de uma célula móvel como os glóbulos brancos (que saem do capilar sanguíneo em processos inflamatórios, o que é chamado de diapedese, observe a fig. 1.6), e evita que as células do sangue se grudem umas nas outras ou nas paredes dos vasos[4].
    O glicocálice possui importante papel no reconhecimento e adesão celular. Para explicar de que forma, daremos o exemplo dos neutrófilos em processos inflamatórios.
    Logo na fase inicial dos processos inflamatórios a neutófilo é atraída para o local da inflamação (o que podemos chamar de quimiotaxia) até que os carboidratos da superfície dos neutrófilos são reconhecidos pela lectina das células endoteliais. Este reconhecimento causa a adesão como é mostrado na fig 1.6[4].
fig 1.6.


                             

Proteínas e domínios de membrana.

   
    A composição da membrana é estudada, a partir de técnicas de centrifugação do isolamento de fragmentos da membrana plasmática e as organelas intactas após terem sido submetidas a forças mecânicas de cisalhamento, suas membranas plasmáticas são rompidas e fragmentadas, liberando os componentes citoplasmáticos e as organelas envoltas por membranas, tais como as mitocôndrias, os cloroplastos, os lisossomos e os núcleos.
   A membrana plasmática é composta por aproximadamente 55% de proteínas, 25% fosfolipídios e 4% de outros lipídios característicos a depender da diversidade dos papéis biológicos que cada um realiza. Assim, as proporções relativas de proteínas e lipídios variam de acordo com o tipo de membrana.
         Certas proteínas são envoltas em grânulos secretórios, eventualmente para serem liberadas da célula por exocitose. Outras são destinadas a organelas intracelulares como os lisossomos, ou para a incorporação na membrana plasmática durante o crescimento celular.[1]
  As proteínas encontram-se flutuando na bicamada lipídica onde muita das quais são glicoproteínas.
    Existem dois tipos de proteínas: proteínas integrais e proteínas periféricas.
   As Proteínas integrais são proteínas que se estendem por toda a membrana formando canais ou poros os quais apresentam propriedades seletivas, assim permitem a difusão de algumas substâncias em relação às outras. Permitem também que as moléculas de água e substâncias hidrossolúveis, principalmente os íons se difundam entre os fluidos intracelular e extracelular.
  As proteínas integrais também agem como proteínas carregadoras que transportam substâncias para dentro da membrana através da penetração na dupla camada lipídica. Ou ainda através do transporte ativo que é realizado na direção oposta (de dentro para fora da membrana). Existem ainda proteínas carregadoras que agem como enzimas e aquelas que servem como receptores de substâncias transmitindo sinal da parte extracelular para a parte intracelular. Estas substâncias, não penetram facilmente na membrana plasmática, como as substâncias químicas hidrossolúveis, tais como hormônios peptídios. 
   As proteínas periféricas são frequentemente ligadas as proteínas integrais pois funcionam quase sempre como enzimas ou como controladores de transporte de substâncias através dos canais ou poros da membrana.[3]



Receptores de superfície celular (conceito geral e tipos de receptores).

     O primeiro passo na ação de uma substância reguladora extracelular é ligar-se a proteínas receptoras específicas localizadas na superfície das membranas de células-alvo. Por exemplo, os hormônios, neurotransmissores ou alguns fármacos, que se ligam a um receptor para promover uma resposta. Esses receptores, de membrana, estão envolvidos na maioria das vias de transdução de sinais e, deste modo causam uma resposta celular.[6]
     Embora existam muitas substâncias reguladoras, há relativamente poucas vias de transdução de sinais. O conhecimento dessas vias, bem como a especificidade dos receptores para com as substâncias reguladoras, é o grande objeto de estudo da farmacologia.
       Existem três tipos principais de receptores da supefície celular: receptores ionotrópicos, receptores enzimáticos e receptores aclopados a proteína G . Além desses ainda existe um outro tipo: receptor nuclear, que não será abordado por não está localizado na membrana.
  • Receptores ionotrópicos: A excitabilidade de células, como neurônios e miócitos, dependem dos canais iônicos. Eles fornecem uma via regulada para a movimentação de íons inorgânicos, tais como Na+, K+, Ca++ e Cl-, pela membrana, em resposta a vários estímulos. Estes canais são abertos se o receptor associado for ativado por ligante específico (neurotransmissor ou algum fármaco), ou ainda por mudança de potencial elétrico transmembrana. Veja na fig 1.7 na qual o ligante específico está representado em vermelho e se liga a proteína abrindo o canal para passagem de íons[1].
                                     fig 1.7


  • Receptores enzimáticos: Um mecanismo fundamentalmente diferente dos canais iónicos de transdução de sinal, é o dos receptores enzimáticos. Estes são, na verdade, proteínas que possuem um domínio de ligação, para ligantes específicos, voltado para o meio extracelular e, um sítio ativo de uma enzima voltado para dentro da célula, sendo que os dois são conectados por um único segmento transmebrana, como é mostrado na fig 1.8. Na presença do ligante a enzima é ativada[1].
                            fig 1.8
  • Receptores aclopados a proteina G: Um terceiro mecanismo de transdução de sinais. É definido por três componentes essências: um receptor na membrana composto de sete segmentos transmembrana, uma enzima na membrana que produz segundos mensageiros e uma proteína ligante de GTP (este GTP vai dissociar-se e ligar-se com a enzima)[1]. Observe a fig 1.9.  
                        fig 1.9       
               

Permeabilidade das membranas: princípios e tipos de transporte.

   
Referências Bibliográfica: 

[1]NELSON ,David L. ; COX, Michael M: Lehninger Princípios de Bioquímica, 3ª edição,São Paulo: 2002.                              
[2]GARCIA, Eduardo A.C.:Biofísica 1ª edição, São Paulo 2009
[3]GUYTON, Arthur C.; e HALL, John E.: Tratado de Fisiologia Médica, 10ª edição, Rio de Janeiro: Guanabara, 2002.
[4] ALBERTS, Bruce: Fundamentos da Biologia Celular: Uma introdução à biologia molecular da célula, 2ª edição, Porto Alegre: Atmed, 2002.
[5] BERNE, Robert M.; LEVY, Matthew N.; KEPPEN, Bruce M.; STANTON, Bruce A.: Fisiologia, 5ª edição, Rio de janeiro: editora Elservier, 
[6] ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P. Biologia molecular da célula. 5ª edição.Trad. Ana Letícia de Souza Vanz [et al.]. Porto Alegre, Artmed, 2010.
[7]CARVALHO, H. F.; RECCO-PIMENTEL, S.M. A célula. 2ª edição. São Paulo, Barueri , 2007